Raphaela Queiroz

Jornalista Digital. Mestre em Letras. É Diretora Criativa da #Damô e coolhunter em formação. Está em constante aprendizado.  Nostálgica, falante e curiosa. Com a Damorida, pretende informar e entreter. Divertir e incentivar a todxs!

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Pesquisadora promove uma imersão na história do jornalismo de Roraima

Todo jornalista é um pesquisador nato.  É requisito estudar os fatos, ir atrás das fontes, buscar referências e ter um arcabouço cultural para ser um profissional desta seara. Para esta receita, acrescentaria outros ingredientes: a persistência e a coragem. E, isso, a nossa entrevistada, a jornalista Cyneida Correia, tem de sobra.

A primeira vez que a vi foi na televisão, ao assistir o Programa Barra Pesada, no final dos anos 90. Quem diria que, tempos depois, eu teria o prazer de trabalhar com ela na Folha de Boa Vista, onde atuou como minha Editora-Chefe.

Neste período por lá, como Foca (apelido do jornalista iniciante), uma das frases que mais me marcou foi ela dizer pra mim: “Jornalista não desiste nunca!”. É uma máxima inerente ao ofício e coisa que a gente aprende com a prática diária em uma redação de jornal.

Cyneida formou-se em Letras, pela Universidade Federal do Pará (UFPA), e em Jornalismo, pela Universidade Federal de Roraima (UFRR). Depois de enveredar pela TV, Rádio, Impresso e Internet, decidiu ir para o meio acadêmico e está concluindo a dissertação em Comunicação, pelo Programa de Pós-Graduação em Comunicação (PPGCom) da UFRR.

Durante o Mestrado, a nossa entrevistada pesquisa sobre os jornais produzidos em Roraima desde o primeiro manuscrito até os dias atuais. Além desse levantamento, ela traça um paralelo com a atividade política envolvida na imprensa durante o período.

“Eu achava que o jornalismo em Roraima tinha surgido mais recentemente. Esse primeiro manuscrito que eu encontrei, feito em Roraima, escrito à mão, com quatro páginas, 50 cópias, que o jornalista distribuía de canoa pelo Rio Uraricoera, em um local com mil habitantes, em que a maioria das pessoas não sabia ler, dos jornais que eu encontrei, foram os que mais me emocionaram”, destaca.

Cyneida também é correspondente do jornal Estadão e freelancer do The Wall Street Journal. Para ela, o Jornalismo faz o mundo ser melhor. É por meio da pesquisa da nossa entrevistada, que poderemos conhecer e resgatar um pouco da nossa história.

 

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Durante a sua qualificação do Mestrado, Cyneida está entre os professores Luís Munaro (Orientador), Maurício Zouein (Co-orientador) e Reginaldo Oliveira (Membro da Banca).

O jornalismo impresso começa em 1914 aqui em “Roraima”? Qual foi o primeiro jornal com circulação em Boa Vista? Qual a linha editorial e a quem pertencia?

O primeiro jornal realmente impresso, sem contar os manuscritos, foi o Jornal Rio Branco, não o Jornal do Rio Branco, como muitas pessoas tinham colocado historicamente. O Jornal do Rio Branco surgiu em 1916 até 1918. Mas, o Rio Branco, que é o primeiro impresso aqui, surgiu em 1914. Tinha a denominação de Jornal Independente e a propriedade era do Diomedes Souto Maior, que é o pioneiro da imprensa roraimense junto com os Beneditinos. Diomedes era um educador, professor, também atuava como escritor de jornais. Esse primeiro jornal impresso de Boa Vista surgiu quando Boa Vista se chamava ainda Freguesia de Nossa Senhora do Carmo do Rio Branco e pertencia ao município de Barcelos, no estado do Amazonas, e a capital de Roraima como primeiro nome de Vila de Boa Vista do Rio Branco, isso consta na monografia da jornalista Shirley Rodrigues, escrita em 1996. Já o Jornal do Rio Branco foi o segundo jornal tipográfico e marcou a participação dos missionários Beneditinos. Tanto a impressão como toda a participação da equipe editorial era feita na oficina dos Beneditinos.

 

Os jornais manuscritos que você cita no seu artigo, O Caniço, Tacutu, O Graveto, O sabiá e o O bem-te-vi (P.S: Nomes engraçados pra jornal hahaha), do início do século XX, tratavam basicamente do quê? Existe alguma amostra desses periódicos?

Esses primeiros manuscritos que eu cito no meu trabalho, foi muito emocionante encontrá-los. Porque eu não fazia ideia que eles existiam, de como era isso. Aqui em Roraima, também poucos faziam ideia. Encontrei uma citação na monografia da Shirley Rodrigues, que fala sobre a imprensa de Roraima, e na pesquisa dela, encontrei uma imagem de uma cópia do que seria esse primeiro manuscrito, O Caniço. Lá citava que a cópia estaria no Museu de Roraima. Eu fui ao Museu, mostrei a imagem que eu tinha da monografia, de 1996, para o funcionário que foi muito solícito e me ajudou a encontrar novamente nos arquivos a cópia do Caniço, existe do Caniço e do Tacutu, lá no Museu de Roraima. Aí eu viajei para o Amazonas e lá encontrei cópias do Bem-te-vi, da Escova, que era um jornal que ninguém sabia que tinha passado por aqui, encontrei referência dele em vários livros. Realmente, os nomes são engraçados, porque eles falavam basicamente da vida das pessoas. Eles falavam muito dos políticos, da situação dos políticos, chegadas e partidas, da vida das pessoas, alguns deles eram bem críticos, retratavam muito as mulheres do período e das ligações políticas. Esse trabalho que eu estou fazendo do Mestrado, trabalha com a recuperação desse acervo. Então, estou registrando todo esse material e eu pretendo fazer um museu virtual com esse material e criar um Museu Virtual de Jornal Impresso aqui, onde as pessoas possam acessar tudo o que eu recuperei com a minha pesquisa.

Desse primeiro jornal, O Rio Branco, há como saber quem eram os primeiros jornalistas? Os repórteres da época?

Dentro desse trabalho, estou fazendo o mapeamento desses jornais. No mapeamento, a exemplo do livro que foi escrito nacionalmente no Amazonas, “100 anos da história do Amazonas e 100 da história do Brasil”, estou colocando o título, o subtítulo, o formato que esses jornais eram escritos, qual a periodicidade, o local de publicação, o diretor deles, o redator-chefe, quem colaborava com eles, qual era a ligação que eles tinham, quando ele circulou, os exemplares e onde essas cópias podem ser encontradas. E aí coloca a fotografia digitalizada, que eu estou conseguindo recuperar dentro desse trabalho de pesquisa. Tudo o que eu conseguir encontrar, estará nesse trabalho.

Eu estou muito empolgada em fazer isso, porque além de você conseguir recuperar uma história que ninguém conhece, que não tem registros aqui em Roraima, o que você encontra lendo os jornais  é muito interessante. É uma pesquisa bastante cansativa, que demanda tempo, porque eu tenho que ver a ligação da política dos jornais com o Jornalismo e a política na época, mas é muito gratificante saber que eu vou poder compartilhar tudo isso que eu encontrar com alguém. Alguém depois de mim vai poder encontrar em um lugar a história desses jornais, que hoje eu não consigo. Eu estou fazendo buscas em Boa Vista, em Manaus, em coleções particulares, em coleções públicas. E a nossa história é muito mal preservada, todo mundo sabe que aqui não se dá muito valor para a memória. Então, eu ter a possibilidade de poder fazer essa recuperação e poder compartilhar essa memória com outras pessoas é muito gratificante pra mim enquanto pesquisadora.

 

 

Até o momento da sua pesquisa, quais as diferenças que você nota no jornalismo daquela época e no de hoje?

As dificuldades do jornalismo daquela época e de hoje são as mesmas e eu noto que essa ligação com o poder é muito parecida ainda. O Jornalismo tem sempre esse atrelamento ao poder, essa ligação ao poder, que faz com que ele sempre seja oposição ou situação, a quem comanda a prefeitura e o governo em tal período. Isso aí eu tenho que adentrar ainda mais na pesquisa, mas eu vejo pouca a diferença.

Até quando ainda era Freguesia, a maioria da população não lia, provavelmente, então, esses exemplares eram todos para a elite. Quem eram os leitores desta época?

O documento do IBGE que eu encontrei na época mostra que em 1915/1920, tinham 1500 a 2000 mil pessoas em Boa Vista, aproximadamente. Não é que esses exemplares eram para a elite, mas esses exemplares eram distribuídos e lidos em grupos. Quem sabia ler contava para os que não sabiam o que estava escrito nele. Os jornais eram direcionados para a elite, mas todos tinham acesso à informação. Os leitores eram os professores, os militares, os coronéis e os políticos.

Jornal O Átomo. Crédito: Biblioteca Nacional.

 Com a criação do Território Federal de Roraima, quais eram os jornais que vigoraram?

Na época do Território Federal do Rio Branco passaram aqui pelo estado 19 jornais que eu já mapeei. Dentre esses 19, tem o Átomo, a Folha que foi criada neste período, a Gazeta, a Tribuna de Mucajaí, Tribuna do Norte, O Diário, e alguns outros jornais de menor porte. Um fato interessante desses jornais é que a maioria tinha a vida muito curta. Duravam entre 2 a 4 anos. Eles surgiam na época eleitoral e se encerravam 2 ou 3 anos depois. Na época do Território, não tinha eleição, mas era a mesma situação. Eles surgiam e encerravam conforme o governo do Território naquele período. Então, os jornais demoravam muito pouco tempo funcionando, e eles eram ligados a quem estava no poder ou aos inimigos dos que estavam no poder ou a quem queria que o Governo Federal indicasse pra cá.

Um dos artigos da jornalista Cyneida Correia em parceria com o professor Luís Munaro está na revista científica Aturá. Clique na imagem para ler o artigo.

 

Havia alguma interferência do Governo Federal nos Jornais da época? A quem pertenciam?

Sim, nós tínhamos jornais que pertenciam ao Governo do Território. Eles não eram jornais criados na surdina. Eram jornais do Governo, que divulgavam apenas o Regime Militar, apenas o que os Militares queriam que fosse divulgado nesse período do território.

Desde aquela época já vigorava aquela mania de tirar os jornais da banca quando publicava alguma que as pessoas não gostavam. O Jornal de Roraima, por exemplo, teve a sede derrubada pelo prefeito Silvio leite por um trator. A Folha de Roraima quando publicou o rosto do Ottomar Pinto, dois dias depois, o dono do Jornal foi assassinado a tiros. Então, foi uma época muito conturbada do jornalismo roraimense.

 

Foi o João Alencar, né? Como esse fato foi noticiado naquela época? Esse foi o caso mais sangrento envolvendo a imprensa? Como você analisa a trajetória de cerceamento durante esta época?

A gente vê que a história de cerceamento da imprensa desde essa época de Território foi muito pesada. Teve jornal que foi derrubado por trator por políticos, teve jornalistas que não tiveram condições de trabalhar no Território, de publicar o que achavam que tinham, teve gente que foi assassinada, gente que foi ameaçada. Então era um cerceamento muito forte dos militares ao que era escrito. Também é uma trajetória muito interessante de se verificar também.

 

Qual é a previsão de você apresentar a dissertação?

Março de 2021.

Crédito: Apresentação da pesquisa da jornalista Cyneida Correira para a Qualificação.

 

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Ou, se preferir, enviar um e-mail:cyneida@gmail.com

 

Crédito da imagem de capa: Cyneida Correira / Arquivo pessoal. 

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