Raphaela Queiroz

Jornalista Digital. Mestre em Letras. É Diretora Criativa da #Damô e coolhunter em formação. Está em constante aprendizado.  Nostálgica, falante e curiosa. Com a Damorida, pretende informar e entreter. Divertir e incentivar a todxs!

A #Damô é um site que tem a proposta de difundir a importância da Saúde Mental.

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A mulher à frente do Correio do Lavrado

Empreender no Brasil é um desafio, como todos nós sabemos. Mas, na área de Jornalismo é algo monumental. Até hoje, os principais jornais do mundo, como o New York Times,  analisam quais os melhores modelos de negócio para este segmento e , ainda, não chegaram em uma proposta ideal e autossustentável.

Acrescente nesta equação: Morar no Extremo Norte do Brasil, longe dos grandes centros urbanos, com uma internet oscilante.

Essa jornada é a saga diária da jornalista Vanessa Vieira, que é Editora de Conteúdo do Correio do Lavrado, um site de notícias focado em grandes reportagens. Ela não está sozinha nesta empreitada, compartilha com João Paulo Pires, todas as agruras de manter uma empresa de Comunicação Roraimense.

No Dia Internacional da Mulher, vamos conhecer uma jovem que luta por um sonho. Sustentar-se fazendo o que ama: Contar Histórias.

Você sempre pensou em ser jornalista?

Sim. Desde criança sempre quis ser jornalista. Tem dois fatos na minha vida que eu sempre conto quando me perguntam isso aí. Tem um que eu conto com mais frequência e outro, às vezes. Mas, a minha mãe sempre guarda as minhas coisas (Coisa de mãe, né?).

Ela guardou um texto meu, de quando eu tinha uns 8 ou 9 anos, em que eu fazia uma crítica ao Presidente da Argentina rsrs. Então, eu dizia que os argentinos estavam fazendo um panelaço na frente do Palácio. Então, assim, eu já considero o meu primeiro texto jornalístico, rsrs. Que criança iria pensar nas brigas voltadas à política na Argentina? Então, isso já era um indício que eu iria para o Jornalismo. Outro fato, que não é bonito de falar, mas aconteceu, infelizmente, em 2002, o jornalista Tim Lopes foi fazer uma reportagem investigativa em uma comunidade do Rio de Janeiro e ele foi descoberto e assassinado. Quando descobriram o que tinha acontecido com ele, eu tive a brilhante ideia de ser Jornalista. Não é uma história bonita, as pessoas perguntam se eu gostaria que acontecesse a mesma coisa comigo, mas eu gostaria de fazer o mesmo trabalho que ele, seguir a mesma linha da profissão dele. Então, são duas coisas que me marcaram muito e sempre quando me perguntam, eu sempre respondo que eu nunca pensei em fazer outra coisa, sempre pensei em ser jornalista, não pensei em fazer outra coisa e não me vejo em outra profissão.

Vanessa foi Editora-Chefe da Folha de Boa Vista, o maior Grupo jornalístico de Roraima.

Fora o Tim Lopes, quem são os seus ídolos? Quem te inspira?

Quando a gente tá começando, a gente sempre se espelha em quem está na TV, como o Caco Barcellos, por exemplo, que são jornalistas que fazem trabalhos investigativos, mas com o passar do tempo, a gente vai se identificando com pessoas que a gente trabalha, na minha passagem pelo Estadão, eu tive alguns colegas que estão fazendo trabalhos muito legais e que hoje são uma inspiração para mim, eu tenho uma colega que era do Rádio e agora está fazendo mais cultura e variedades, que é a Camila Tuchlinski, que ela mistura a formação do jornalismo com a de Psicologia. Gosto muito de seguir o material que ela produz. Tem o colega que é do meu curso, que eu sinto o maior orgulho de dizer, que é o Luiz Fernando Toledo, que já passou pelo Estadão, pela Globo e agora está na CNN, já fez uma agência Fique Sabendo, que é uma agência que está sendo reconhecida internacionalmente. Tem ainda a Luísa Martins, que está no Valor Econômico e já ganhou o prêmio Esso. Então, assim, pessoas da minha idade, da minha geração, hoje servem de inspiração para  mim .

Como foi para você participar do Programa Foca do Estadão?

Para você fazer o Foca, você passa por um processo seletivo, tipo um Vestibular, e são duas fases: a primeira é feita na Internet, você responde um questionário e faz um texto, dizendo o motivo de você querer participar do Curso. A primeira fase, geralmente, é em junho e julho, e a segunda fase é em Agosto. Neste período, eu estava terminando o meu TCC e antes de eu finalizar o meu Trabalho, eu viajei para São Paulo para passar pela segunda fase do seletivo. Voltei para Boa Vista, apresentei o meu Trabalho e, na mesma semana, já voltei para São Paulo para começar o curso. Foi uma semana muito corrida na minha vida e de muitas conquistas, de apresentar o TCC, que é terminar a minha faculdade, no prazo de quatro anos e, logo em seguida, começar o Focas, que era um sonho desde que eu decidi que queria ser jornalista, desde lá do comecinho, sentar naquela escada e posar para aquela foto do Focas.

Fiquei três meses e meio em São Paulo. Pra mim, foi uma grande experiência não só para minha vida profissional, como também para a minha vida pessoal, porque foi um momento em que eu estava com 22 para 23 anos, estava amadurecendo, saí da casa dos meus pais, tive que resolver muitas coisas sozinha, estava numa cidade gigantesca e foi um momento de amadurecimento muito grande para mim.

Como é noticiar em uma cidade grande, que você não conhece nada?

No curso, a gente não podia ir na rua, por uma questão de segurança nossa e da empresa. A gente não tinha vínculo empregatício e não poderíamos ir para a rua em nome do jornal. Então, a gente passava por todas as editorias e sempre tinha aquele encaminhamento, tipo: “Liga para fulano, pergunta isso e aquilo”. Tínhamos pautas mais leves, obviamente, porque passávamos uma semana em cada editoria e não dava para se aprofundar muito naquele assunto. Mas, foi uma experiência muito boa e por você passar por todas as Editorias do jornal, de conviver com profissionais que estão ali por muito tempo e que tem a experiência de fechar um jornal diário grande, que vai para todo o Brasil e que tem um renome nacional e internacional. O Estadão é muito premiado, um jornal que circula há mais de cem anos e então é uma experiência muito legal. Trocar ali e acompanhar, mesmo que por poucos dias, como as coisas acontecem.

Como surgiu a ideia de criar o Correio do Lavrado?

Desde a faculdade, eu tinha uma ideia de montar uma empresa, não sabia se seria uma Agência de Comunicação, mas sempre quis fazer alguma coisa. E a ideia de fazer o Correio surgiu em uma conversa minha com o João Paulo Pires, que é o meu sócio, e pensamos que a gente poderia fazer um jornal do nosso jeito, com a nossa cara, com assuntos que a gente acha interessante, numa linguagem que a gente acha interessante, com um direcionamento conforme deveria ser, um jornal com a nossa cara, daí surgiu o Correio, no final de 2017, que a gente começou a pensar nele.

Em 2018, passamos o ano todo planejando, já tínhamos o nome de Correio do Lavrado, esse nome já vinha com a nossa ideia de resgatar um Jornalismo mais antigo, que a gente sai e conversa cara a cara com as pessoas, pois hoje com a facilidade da internet, nem sempre você entrevista as pessoas pessoalmente. O Whatsapp facilita, ajuda bastante, mas, ás vezes, você perde um pouco um detalhe que é importante para a reportagem. E a gente queria resgatar um pouco isso com reportagens mais longas, mais trabalhadas, com pautas mais diferenciadas.

E o Lavrado é que a gente não queria um nome tão óbvio, mas que remetesse à Roraima e então fomos para esse lado de homenagear o estado. Em 2018, passamos todo o ano planejando como funcionaria, investir em algumas coisas, como identidade visual, por exemplo, e em 2019, a gente colocou o site no ar, no dia 09 de fevereiro, e estamos há um ano no ar.

Quais são os desafios enfrentados neste período e as boas notícias que o Correio trouxe para vocês?

Os desafios são os mesmos de todos os empresários que estão iniciando. É o dinheiro que acaba, nem sempre temos o dinheiro para bancar a reportagem que queremos, falta de anunciante, trabalhamos muito com permuta ainda. Essa falta de anunciantes ainda é um problema, um desafio.

As boas notícias, que para mim, foi a melhor notícia do ano, foi vencer o Edital de Jornalismo de Educação, promovido pela Associação de Jornalistas de Educação (Jeduca) e pelo Itaú Social, que propôs uma pauta, sobre o impacto do fluxo migratório venezuelano nas escolas públicas aqui de Roraima e essa nossa reportagem está sendo financiada no valor de R$ 8 mil. Começamos a produzir em Novembro e agora em fevereiro estamos finalizando e até abril publicaremos. Então, acho que essa foi a melhor notícia que poderíamos ter em menos de um ano, participar de um Edital e ganhar. Vencer esse Edital mostra que estamos no caminho certo.

Empreender com jornalismo não é fácil. Além dessas dificuldades que você relatou, quais são os outros desafios?

Hoje passamos por um momento de muito descrédito ao jornalismo, infelizmente. Há muitas pessoas que preferem acreditar no que elas leem no Whatsapp e no Facebook, do que em uma fonte confiável e em um trabalho profissional como é o de jornalista. No nosso caso, nós somos um Jornal digital e obedecemos todos os critérios de noticiabilidade. Então, a gente pensa na pauta, apuramos, chegamos na informação, escrevemos e publicamos depois de checar, mas temos que lutar diariamente com aquelas pessoas que escrevem qualquer coisa e publicam de qualquer maneira em qualquer lugar. Então, isso tem sido muito complicado, porque as pessoas muitas vezes preferem estar mal informadas do que lerem um texto completo. Muitas pessoas tem preguiça de ler, então preferem ler dois ou três parágrafos no Whats do que ler uma reportagem e ouvir o áudio que a gente coloca ou o trecho de vídeo. É bem complicado lutar contra isso, não só como empreendedora, mas como jornalista.

Além disso, tem as fake news, muito propagadas pelas Redes Sociais, e também a crise do Jornalismo, com a não obrigatoriedade do Diploma e o risco do Registro Profissional não ser mais necessário. Como você analisa a questão?

Quando a obrigatoriedade do diploma caiu, em 2009, foi logo quando eu entrei na Universidade. Comecei em uma faculdade privada, em Boa Vista (eu tinha passado na pública, mas fiz um semestre na privada para aproveitar algumas disciplinas). E essa minha turma foi a última dessa faculdade privada, ou seja, já mostrou que o pessoal já não ia querer ser formado em Jornalismo, em Comunicação Social. Isso foi um baque. Tipo: “Por que você vai querer entrar em uma Universidade que não precisa nem de diploma?”. Esse foi o questionamento que veio. Mas, eu sempre defendi o diploma, pois eu acredito que a faculdade, no curso Superior, a gente amadurece e aprende muito, tem contato com outras visões, contato com outras pessoas. Eu estava saindo do Ensino Médio e comecei a ter contato com a vida adulta. Como eu sempre quis ser jornalista, para mim, foi muito importante aprender as técnicas, ter contato com profissionais da área que eu queria trabalhar, tudo isso foi muito importante. Agora, com essa Medida Provisória, que retira a obrigatoriedade do Registro Profissional, surge mais uma maneira de precarizar a nossa profissão. Então, “Por que vou contratar um jornalista formado, que tenha DRT, se ele cobra 2X, se eu posso contratar o fulano que fala no Facebook e cobra menos e ainda vai falar o que eu quiser?. É mais uma maneira de precarizar a nossa profissão e é muito triste.

Como empreendedora de Jornalismo, é complicado, porque é uma profissão que eu gosto muito e que quero continuar, não me vejo fazer outra coisa. Então, é uma luta diária, acordar e mais um dia, tenho que enfrentar uma batalha, ser ética na minha profissão e responsável, ainda assim conseguir me sustentar. Tem sido dias bem complicados, tanto desse investimento, de começar um projeto e botá-lo para frente, quanto ao mesmo tempo, o produto do meu projeto ser tão precarizado.

Mas, não quero desistir, acredito que devo continuar, é o que realmente quero, é o que eu gosto de fazer, apesar de todas as dificuldades. Apesar de tudo isso, esse um ano de Correio foi muito bom profissionalmente. Então, vou insistir mais um pouco.

Neste um ano de Correio, quais foram as matérias de maior alcance e que, para você como jornalista, foi interessante acompanhar?

Temos conseguido contar muitas histórias com a questão dos refugiados. Logo no começo do ano, quando lançamos o site, teve aquela tentativa de entrega de ajuda humanitária lá em Pacaraima, nós passamos quatro dias na fronteira, fizemos uma cobertura muito grande pelas Redes Sociais, principalmente, pelo Twitter, nossos twites foram republicados em todo mundo e a gente ganhou muitos seguidores e só tínhamos duas semanas no ar. Isso nos dá muito orgulho.

Ao longo do ano, a migração foi um tema recorrente, a gente trata a imigração sempre de maneira humanizada e sempre colocando para o leitor, como se tivesse nesta situação, questionando: “E se fosse você, leitor? E se fosse seu filho nesta situação?”. Isso não está no texto, mas está nas entrelinhas, dizendo que essas pessoas estão vindo para cá para procurar melhores condições de vida. A gente tenta colocar empatia nas reportagens e essa é a nossa proposta: o jornalismo humanizado.

Além disso, a gente fez outras reportagens, tem uma que é muito simples, mas até hoje, é a que teve mais visualizações no site, sobre o percurso do condutor roraimense, que precisa acessar quatro sites diferentes para checar a multa do carro dele. É uma reportagem tão simples, mas é a que tem mais visualizações, porque depois dos semáforos com pardal, as pessoas começaram a frear o pé e estão muito preocupadas com isso. As reportagens de política também rendem boas visualizações. Outra que trouxe uma grande repercussão foi que os EUA aumentaram o nível de segurança para as pessoas que vinham para o Brasil, em especial, nas fronteiras. Às vezes, uma matéria simples, traz uma grande repercussão e, outras a gente acha que vai bombar, mas não têm a repercussão que a gente espera.

Quais são os planos do Correio para o futuro?

Temos um projeto, que ainda por questões técnicas, não conseguimos colocar para frente, que é o nosso podcast, que já estávamos pensando junto com o site, mas a gente precisa de uma mesa de som legal, de um estúdio legal.

Como nós prezamos muito pela qualidade, estamos segurando esse projeto. Queremos um ambiente legal para poder gravar e receber as pessoas, porque a ideia é que nós dois (eu e o João Paulo) tenhamos um convidado. Espero que o podcast saia este ano, pois é uma mídia que tem crescido muito ao longo do tempo e os empresários estão anunciando também. Então é mais uma maneira de conseguirmos anunciantes.

A nossa ideia é oferecer esse jornalismo humanizado para as pessoas e que elas vejam as notícias de outra forma, por outro ângulo. Como a gente não consegue ter um imediatismo, como outros sites e nem é o nosso objetivo, queremos levar um diferencial, esse lado diferente de olhar a notícia.

COMMENTS
  • Vanessa Vieira

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    Rapha, muito obrigada pela conversa e pela bela reportagem. Ler um resumão da minha vida na Damô fez eu perceber o tanto de coisa boa que eu já vivi e que ainda está por vir. Obrigada mais uma vez!

    março 8, 2020
  • Cristiane oliveira

    REPLY

    Que orgulho da minha sobrinha, Vanessa e que vc continue sendo essa mulher que busca realizar seus sonhos e que sejam de sucesso e vitórias… É orgulho que fala… te amo.

    março 8, 2020
  • Narayana da Silva Moura

    REPLY

    Parabéns pela matéria Rapha
    Tive a grande sorte na vida de estudar com a Vanessa, ela é muito profissional, realmente ama o que faz e executa com excelência tudo o que lhe é proposto. Vanessa nunca desista por mais que as dificuldades surjam, elas te farão mais fortes.
    Vida longa ao Correio do Lavrado!!!
    Parabéns Mulheres

    março 8, 2020
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